Monday, January 09, 2006

Sondagens exorcizam especto terrífico

alegremadeira@hotmail.com

A sondagem mais recente, publicada no Diário de Notícias, prevê uma vitória trovejante de Cavaco, logo na primeira volta, com a suplantação dos 60%. Em harmonia, portanto, com os vaticínios da Católica, cuja sondagem atribui 60% dos votos a Cavaco, relegando Alegre para o segundo posto, brandindo 16% dos votos.

Esta campanha é enformada por duas lutas consabidas: a primeira decorre da imperiosidade de impedir o alcance dos 50% dos votos por parte de Cavaco. A segunda é tributária da luta entre Alegre e Soares, devendo Alegre se superiorizar. Todavia, a mera hipótese de Alegre prostrar Soares não me serena ou apraz, porquanto o júbilo só poderá emergir se Alegre conquistar o direito – justo! – de se digladiar, só, com Cavaco, na segunda volta. O cenário é nefasto, os horizontes são brumosos, mas o período candente aproxima-se, pelo que se mantém hirta e viçosa a esperança no sucesso desta empreitada hercúlea.

Alegre pode, sendo eleito, elevar-se ao posto de melhor Presidente da República portuguesa. Sem relativizar Sampaio ou o Soares da década passada, parece-me que nenhum deles emula com Alegre no plano da visão de Portugal. Soares é um homem do saber – embora tenha dúvidas acerca do fomento do saber holístico -, dedicando-se a ruminações sobre a Europa, o Mundo e a globalização, em indícios de cosmopolitismo. Contudo, é Alegre quem abarca a mais sólida e límpida perspectiva sobre Portugal e sua condição, como pais projector de uma Língua imensa e imarcescível.

As sondagens recentes são lenitivos para a direita, atemorizada com o espectro da segunda volta, onde Cavaco, presumo, sucumbirá à sua própria vacuidade. Manuel Alegre, apesar de ser um escorreito tribuno, abdicou, amiúde, de uma maior acutilância, devendo surgir na segunda volta com um cariz retórico mais percuciente, obrigando Cavaco, num duelo menos desigual, ao fardo de verbalizar. A unção de Cavaco, por parte desta sufocante maioria de portugueses, denuncia a inexistência, entre o povo, de uma concepção aprumada de Presidente da República, ou, no mínimo, de uma opaca definição do perfil curial que um Presidente deve brandir. Cavaco, ataquem-me os detractores, é um perfeito legatário democrático de Salazar, embora não queira macular a sua imagem de democrata. Mas é um democrata do 26 de Abril. Cavaco é um homem redutor e opressor do saber, porquanto o mar da sua mundividência é tributário do rio da economia. Portugal, por outro lado, desbravou o ignoto mediante a ânsia de descoberta. Física e intangível. Ficarei desolado se o povo português eleger Cavaco, agudizando-se a angústia se as clivagens se mantiverem abissais. Eleições deveriam, no plano idílico, reflectir a qualidade dos candidatos e as suas diferenças. Mas Cavaco não é melhor do que Alegre, como aspirante a Presidente. É-o, quiçá, para um povo obnubilado. Como o Portugal de hoje. Se Cavaco vencer, meus caros leitores orbívagos, não deixarei de verrinar os débeis que o legitimaram. Deixo o “respeito pelo povo soberano” para os outros, os democratas dissimulados. Aceitarei qualquer resultado, mas o povo não se evadirá à acrimónia de quem está saturado de mediocridade. Até da sua.

*Texto também publicado no Estranho Estrangeiro

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