Saturday, January 14, 2006

Manuel Alegre a a ressurreição da cidadania

alegremadeira@hotmail.com

Num período em que a candidatura de Manuel Alegre parecia inane, manietada pelas vigentes lógicas partidárias da política portuguesa, ergui-me, solitário e quimérico, contra o torpor cívico que putrefaz a nossa democracia. Destituído de vínculos partidários, os quais rechacei sempre e assim continuarei, mas assumindo-me como um homem político, legatário do diagnóstico aristotélico segundo o qual todo o Homem é um animal político, procurei evitar sucumbir à pestilência da alienação cívica, recorrendo a um dos modernos poderes ao dispor dos cidadãos: a Internet. Nos recessos da blogosfera onde habito e coabito, detectei apoios genuínos a Manuel Alegre, realidade que impulsionou um acto de repercussões presumivelmente irrisórias. Enganei-me e venceu a cidadania. Julgo, mesmo – e permitam-me que reconheça o meu mérito -, que os efeitos de uma mera petição validam a minha crença na possibilidade de cada cidadão contribuir para a “res publica”. Por isso, e digo-o sem pudor, repudio todas aquelas carcomidas palavras de prostração, segundo as quais “os políticos são todos iguais”, ou “não podemos fazer nada, porque eles comem tudo…”. Se a conjuntura política portuguesa é, hoje, medíocre, não é intelectualmente salubre ilibar o cidadão anónimo. Os Filhos do 25 de Abril, como eu, rivalizam com os pais na culpa pelo estado agónico da política portuguesa. Se os pais, após a ebulição político/ideológica posterior ao 25 de Abril, exploraram o súbito regresso das clivagens entre os “políticos profissionais (a partir do 25 de Abril partidários) e o povo, açambarcando a coisa pública, a complacência dos filhos não pode ser olvidada. A cidadania, no âmbito da meditação e participação políticas, definhou, exibindo algum viço aquando dos momentos eleitorais. É pouco. Vicente Jorge Silva, há alguns anos, aturdiu Portugal ao arremessar contra os jovens o epíteto de “geração rasca”. Subscrevo, embora jovem. Subscrevo embora seja imperioso vincar que o rótulo corrosivo deve incidir, somente, sob a natureza política dos jovens, os quais, conquanto preocupados, são atingidos pelas visões redutoras, limitando-se a vociferar quando sentem pruridos nos bolsos, devido, por exemplo, ao pagamento e aumento das propinas. As reivindicações podem ser justas – não as discuto agora -, mas denunciam o alheamento cívico conluiado com algum egocentrismo vigente. São turbas de vociferadores, que se limitam a criticar sem a apresentação de antídotos convenientes para as chagas do país. São jovens adultos, munidos, a priori, de todos os direitos conferidos pela lei, mas já vítimas de uma aparente idiossincrasia nacional: a melancolia estéril e submissão ao pessimismo paralisante. Se exortei o poeta à luta, digo o mesmo aos meus congéneres cronológicos: ergue-te e anda!

As conjunturas sociais e políticas não são comparáveis, embora seja notória uma tendência para a auto-sublimação da geração que forjou o 25 de Abril. Na verdade, e cingindo-me ao plano político, a geração onde pontifica Manuel Alegre perfilhou a causa da democracia, quando as brumas salazarentas enredavam Portugal, Hoje, Portugal dispõe de democracia, reduzindo o pecúlio de causas que costumam acicatar a energia dos jovens. Todavia, a democracia é, sempre, uma obra inacabada, porque subjacente a ela está a propensão utópica intrínseca ao Homem. Por isso, não é viável, verifica-se após um simples rastreio, escudar as novas gerações com a alegação de que escasseiam as causas. Poderão ser, sim, diferentes, mas os mais de dois milénios de luta pela depuração da democracia amparam a exortação de Manuel Alegre: “reinventem a democracia!”

A emancipação cívica urge, em Portugal, a qual, surgindo, deverá garantir a ressurreição da sociedade como corpo político. Parece-me que os partidos políticos, como filhos da sociedade política, devoraram a mãe, representando esta empreitada liderada por Manuel Alegre uma oportunidade ideal para resgatar da clausura a cidadania. Os partidos políticos são incontornáveis e desejáveis em democracia, mas, relembre-se, a democracia, mesmo no plano conceptual e mutilada na prática, nasce apoiando-se na cidadania. Os partidos políticos surgem muito mais tarde, pelo que a relação que muitos estabelecem entre política e partidarismo reflecte lamentáveis fragilidades avaliativas. A cidadania antecede o partidarismo, e numa metamorfose imprevista, a ele sobreviverá. É tempo, portanto, de recuperar a coisa pública para, em harmonia com os partidos, perseguir a purificação da democracia. Estou absolutamente convicto de que cidadãos conscientes e sagazes obrigarão a classe política governativa à regeneração e ao aprimoramento. Poderei estar errado, mas tentemos. Se a alienação redundou nestes resultados, vejamos quais os efeitos da cidadania activa e frutífera. Se estiver enganado, eu próprio amputo a minha índole política, tornando-me um cidadão por decreto, exibindo como divisa a “mentira” de Pessoa: “pensar é estar doente dos olhos.”

Alegre, dizem uns, apresenta-se contra os partidos, apesar de ser membro do PS há mais de 3 décadas. Errado. Alegre apresenta-se contra esta concepção pífia de partidos, perspectiva escorada no conhecimento acutilante da realidade partidária, devido a uma coabitação de 3 décadas. Alegre, vejo-o eu sem vincular o candidato, assemelha-se a um Lutero da política portuguesa. Independentemente das opiniões acerca dos feitos do clérigo germânico, é consabida a sua relação oficial com a estrutura contra a qual, posteriormente, se rebelou. A reforma protestante simboliza a evasão do Homem ao despotismo e opressão fomentados pelo Homem, originando, não só uma nova bifurcação na cristandade mas, não esqueçamos, a renovação da Igreja Católica. A afixação de escritos nas portas das catedrais inseria-se numa lógica tradicional, pelo que Lutero, ao publicar as 95 teses contras as bulas papais, não previa os efeitos sísmicos derivados da sua actuação. Se me permitem a analogia, uma despicienda petição, proveniente de zonas recônditas da sociedade, gerou um movimento de aglutinação de desejos que, hoje, nutre a esperança de ver Alegre em Belém. A petição não é mais relevante do que os apelos profusos que desembocaram nas mãos, olhos e ouvidos de Manuel Alegre. Todavia, julgando não cometer qualquer inconfidência, revelo as palavras que Manuel Alegre me endereçou, ao assinar um livro da sua autoria: “Obrigado ao Vítor Sousa por ter enchido este quadrado de gente”. Esta frase vinca a crença de Alegre no poder, no terrível poder dos cidadãos. Terrível poder, atemorizador poder para todos os cultores do torpor cívico.

Todos aqueles que vaticinam o assomo de um novo partido político, fruindo do impacto desta campanha, denotam, além de perfídia, penúria. Não existe, em Portugal, uma tradição de movimentos cívicos apartidários ou tributários de diferentes perspectivas e iguais desejos. Nesta candidatura, não há uniformidade. Há liberdade. A candidatura de Manuel Alegre é a única que apresenta uma visão sólida de Portugalidade. É a única que, sem menosprezar o factor económico/tangível, está consciente de que Portugal é muito mais do que um naco de terra. É a única que apresenta propostas com o fito de proteger a nossa riqueza mais faustosa, (quiçá única) porque imperecível: a Língua. Alegre é um genuíno sucedâneo de Pessoa, porquanto se assume como um devoto da Língua Portuguesa, um verdadeiro patriota. Repisa a palavra Pátria, estigmatizada devido às sevícias do passado, e origina os clamores dos oblíquos que temem o regresso de um nacionalismo exacerbado. A missão de rebater estas visões delego em quem não teme dilapidar tempo útil com a estultice alheia. Manuel Alegre é um patriota no sentido pessoano do termo, o que lhe oferece um estatuto peculiar, dentro da classe política. Há quase um ano, o actual Presidente Jorge Sampaio alertava para a necessidade de abolir o imediatismo político na condução do país, mediante a reflexão que fita horizontes longos, actuação altruísta porque enfatiza um futuro que pode já não ser nosso. A intervenção do poeta, ao assumir o propósito de alcançar a Presidência da República, reflecte a intemporalidade que deve nortear actividade política, porque, independentemente dos resultados imediatos, demonstra que os partidos políticos não são, nem podem ser, tutores de consciência. Quando a história deste período for escrutinada, prevejo duas possíveis conclusões: Radica aqui a regeneração cívica portuguesa ou radica aqui, num eterno e impertinente retorno, o adiamento de Portugal. Sem D. Sebastiões, mas com um indubitável nevoeiro, é pertinente clamar: “É a hora!”

*Texto também publicado no Estranho Estrangeiro

3 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Talvez inspirada na "Trova do vento que passa" apanhei esta na blogosfera:

*****TROVA DE HUMOR COM GRAXA*****

O que é que você acha
Meu rico professor?!
Sou bom a passar graxa
Sou bom engraxador!
Eu já nasci assim:
Feio, gordo, impostor
Sou bom em tudo, enfim
Até bom bajulador!...
Professor, tome nota:
Eu sou especial!
Sou o rei da batota
Batota eleitoral!
Bailinho da MADEIRA
Bailinho da Camacha
Passei a vida inteira
Ao poder dando graxa!
Refrão
Eu já nasci assim!
Feio, louco e impostor
Não há outro Jardim
Grande bajulador!...

3:50 PM  
Anonymous Anonymous said...

Esta é inspirada naquela moda do carnaval brasileiro:

Dizem que cachaça é água, cacgaça não é água, não! Cachaça vem alambique, Água vem di ribeirão!

Dizem que Cavaco ganha!
Cavaco nao ganha, não!
Cavaco é um trinca-espinhas...
Alegre é um campeão!!!

5:32 PM  
Blogger Utopia said...

Tenho pena que a politica em Portugal esteja da forma em que está.
Para mim o Alegre ainda é um politico com alma e ideal bicho quase extinto em Portugal.
Admiro-o muito

4:01 PM  

Post a Comment

<< Home